sábado, 1 de junho de 2013

Duas rápidas entrevistas com a equipe de The Last of Us

Last of Us

Na terça-feira (28), conseguimos conversar com Adelle Bueno e Jacob Minkoff, da Naughty Dog, que estavam passando rapidamente pelo Brasil para promover uma versão beta de The Last of Us. A artista com nome brasileiro e o designer com o bigode mais firmeza do rolê deram algumas respostas muito interessantes sobre um dos últimos grandes games exclusivos do PlayStation 3. 
Conversamos separadamente com os dois sobre referências cinematográficas, como a violência pode ser relevante e a grande variedade de cenários que encontraremos na travessia de Joel e Ellie pela costa Leste à Oeste de um EUA pós-apocalíptico.
Adelle Bueno, artista de texturas
Qual foi o maior desafio em criar o mundo de The Last of Us?
É um jogo original, então os maiores desafios não estavam só em criar o game, mas também tínhamos que consolidar o visual que queríamos colocar ali.
Pensando na arte, uma das maiores preocupações era ter certeza que todo o design reflitisse a história. Por exemplo, se uma parte é mais sombria ou séria, queríamos que a arte mostrasse isso ou mesmo sublinhasse o momento. Tem muitas maneiras de fazer isso, e temos vários ambientes diferentes pelos quais passamos no game.

Adelle Bueno, artista de texturas – Pedro Hassan/Kotaku Brasil

Onde vocês buscaram inspiração para fazer o cenário pós-apocalíptico do jogo? Que referências vocês mais usaram?
Tiramos inspiração de vários filmes e imagens. Sabe o filme Onde os Fracos Não Têm Vez, dos irmãos Coen? Esse filme foi uma grande inspiração para o clima do lugar. O tema e a história do jogo é pesado e sombrio, e queríamos que a arte reflitisse isso de um jeito diferente. Se você parar pra ver, o mundo do jogo é realmente bonito. Não é o que você normalmente espera de um cenário pós-apocalíptico. Você olha para a floresta e pensa a mesma coisa.
O lado sombrio vem com o estado em que as coisas estão. A natureza está dominando a civilização. Tudo o que foi feito pelos homens está sendo engolido pela natureza e pela folhagem saturada.
Nós também demos uma olhada em The Walking Dead, mas queríamos que The Last of Us fosse algo muito diferente de um jogo de zumbi. Não queríamos essa experiência.
Os personagens principais vão fazer uma longa jornada e eles devem mudar bastante durante todo o jogo. Como a arte vai mostrar a passagem do tempo e do espaço durante a história?
As maiores mudanças estão no cenário. Você irá viajar pelos EUA durante um período de um ano. Você verá que isso deve transparecer em todos os lugares. Os ambientes por onde eles passam é bem diferente. Os EUA é tão grande quanto o Brasil, você sabe bem como um país desse tamanho pode ser variado (risos).
Veremos cenários muito diversificados na travessia da costa leste até a oeste. Além disso, tem as mudanças de estação, que vão ser bem marcadas durante o jogo também.

Last of Us

Parece que cada parte do cenário é bem única, como se cada lugar por onde você passa seja completamente diferente do resto. Isso é bem complicado de criar em um game. Como vocês conseguiram criar cenários tão únicos?
É difícil não repetir objetos nos jogos, porque senão o game nunca sairia. Trabalhamos muito para evitar a repetição de alguns detalhes. Era muito importante que cada lugar fosse realmente único. Cada cenário corresponde a uma parte específica da história, cada lugar é único. Na maioria das vezes, criávamos objetos só para uma cena, ou, no máximo, modificamos um objeto original a ponto de ficar irreconhecível se fosse usado de novo em outro cenário.
No game, nós encorajamos as pessoas a explorar, olhar pelo cenário e pegar coisas, de onde surgem conversas e novas cenas. Isso é importante para a experiência do jogo e para a sua jogabilidade. Então foi trabalhoso, mas era importante cada lugar se destacar por si só.
Tem alguma parte da arte em que vocês passaram muito tempo trabalhando, mas que mal foi usada no jogo final?
Pessoalmente, vários trabalhos meus eram jogados no lixo porque tinha horas que jogávamos tudo para recomeçar do zero (risos). Criamos mundos inteiros para jogar fora e começar de novo. É a natureza do game design.
Como eu falei antes, um dos nossos maiores desafios era estabelecer este novo universo de The Last of Us. Parte desse processo é em criar um design, criar as artes e fazer com que fique bonito – só para ver que nada daquilo funciona. A gente pode ter até passado muito tempo trabalhando em algo, mas às vezes simplesmente não funciona.
É importante às vezes voltar e pensar em novas ideias.
Jacob Minkoff, lead designer

Jacob Minkoff, da Naughty Dog – Pedro Hassan/Kotaku Brasil

Você também esteve na equipe da série Uncharted. Qual é a maior diferença entre o conceito de design de Uncharted e o novo The Last of Us?
Eles são fundamentalmente diferentes. Uncharted é suspense, ação e coisas fantásticas. The Last of Us é uma experiência mais sóbria e focada.
A inteligência artificial é muito superior ao que já tivemos, e temos mais companheiros também. Você está quase sempre acompanhado de algum personagem. Então, tivemos que criar ambientes onde a inteligência artificial não somente pudesse explorar com você, mas que também fosse importante que ela estivesse lá com você – seja ajudando ou conversando sobre o ambiente onde vocês se encontram.
Além disso, a história em The Last of Us se desenrolada tanto durante as jogadas quanto durante as cutscenes. Você pode ver que só de andar pelo meio da rua, tem dezenas de lugares e coisas que chamam a atenção da Ellie, a sua companheira na narrativa.
Se formos pensar sobre a construção dessa personagem, passamos um bom tempo imaginando onde cada pedaço da história se encaixava. Grande parte do desenvolvimento foi pra conseguir implementar onde esses momentos de narrativa entram.
O combate no jogo também é bem mais pontual que em Uncharted. Momentos brutais e difíceis aparecem do nada, e você pode morrer facilmente. Você tem que pensar estrategicamente para sair vivo e lutar bastante. Mas, de repente, fica tudo silencioso, e continua assim por um bom tempo.
Queríamos criar essa tensão como em um filme do Hitchcock, onde você fica sempre esperando para aparecer mais e mais coisas. Essa tensão, essa sensação de que sempre tem algo a espreita e de que nunca dá para saber o que vai acontecer. Boa parte do desenvolvimento foi acertar essas horas de combate e intercalar com longas sessões de exploração, onde criamos cenários detalhados, onde você aprende mais sobre os personagens, investe neles.
Essas foram as maiores diferenças para nós.
Dá para perceber que existe um equilíbrio muito grande em The Last of Us entre um mundo feito para ser explorado e o cenário que chama o jogador de volta para a história. Como foi conseguir conciliar esses dois conceitos?
A gente segue muito o instinto. Somos todos jogadores, então jogamos o game para ver com ia ficando. “Essa parte parece ser longa o bastante”, ai chamávamos mais pessoas para jogar e ver como elas respondiam. Depois, chamávamos pessoas de fora para ver o game e ficávamos perguntando, “Essa parte está boa para vocês? Foi longa o bastante?”
É por isso que demora três anos para fazer esse tipo de jogo. Nós testamos muita coisa, víamos como as pessoas estavam jogando e só passávamos para a próxima quando sentíamos que estava bom o bastante.
Fazer uma história totalmente original é sempre desafiador, um longo processo de aprendizado. Para gente, só queríamos dar uma experiência “linear aberta”, onde você se mantém sob uma história, mas tem uma vasta possibilidade de opções e escolhas durante esse processo. Isso vai desde formas com que você pode entrar em combate, até talvez evitá-lo completamente; também tem a ver com estratégias de campo até como se movimentar pelo espaço em que você está.
É isso que se soma três anos e meio de trabalho! (Risos).

Last of Us

Vocês chamaram bastante a atenção sobre a relação entre o Joel e a Ellie. Eu imagino que as suas ações devam mudar o seu relacionamento com ela. Como isso afetará a forma com que a Ellie reaja ao Joel durante a história?
A história principal é bem linear, ela não deve mudar, mas dependendo do momento, você poderá escolher de que forma irá interagir com a Ellie. Talvez ela esteja chamando a sua atenção para alguma coisa, por exemplo. Você pode ir até lá e ver o que ela tem para falar, mas se você não for, ela pode falar, “Bom, parece que eu estou falando com as paredes aqui…”, sabe? Ela se sentirá um pouco sozinha.
O diálogo muda bastante dependendo do que você está fazendo no jogo. Na verdade, temos uma lista gigantesca de de todos os diálogos diferentes que a Ellie pode falar para você durante a história. Mas tem coisas que ela só vai fazer lá na frente apenas se você conversou com ela sobre algum assunto específico muitas horas antes de chegar ali. Temos muitos elementos assim.
Mas a maioria dessas mudanças pequenas servem para enriquecer o personagem em vez de simplesmente funcionar com um artifício narrativo.
Então você acaba encontrando com uma Ellie no fim do jogo que pode ser bem diferente da Ellie de outra pessoa que também esteja jogando.
Eu não diria que é uma diferença tão grande, mas ela definitivamente vai parecer ser exclusivamente sua. Você irá escutar ela conversar sobre assuntos variados, e muitos deles reaparecem em fases diferentes depois de muito tempo, dando essa impressão de que ela realmente estava ali com você até então.
Você vai acabar ficando feliz com muitas escolhas que fez no relacionamento com ela durante o jogo.
Quais foram as suas influências mais fortes que foram parar em The Last of Us?
Em termos da relação entre Joel e Ellie, ficamos muito interessados em filmes como A Estrada e Caminho para a Perdição. O Profissional (com Jean Reno e uma jovem Natalie Portman) foi uma grande influência nesse relacionamento. Não queríamos que o Joel fosse apenas um guardião, mas um veterano das antigas que já perdeu seu senso moral e acaba de tornando um pouco selvagem, e que esteja protegendo e também corrompendo, de certa forma. Ele está ensinando uma criança o que é necessário para se sobreviver em um mundo brutal, ao mesmo tempo em que a criança está perdendo essa inocência.
Em termos de ambientação desse universo, focamos na condição humana e nas escolhas que as pessoas tomam em um mundo tão selvagem. Pensamos em Filhos da Esperança, que realmente influenciou no visual do jogo.
Muito da tensão veio de Onde os Fracos Não Têm Vez. Se você for ver, grande parte desse filme é passada no silêncio, não há música ou diálogo. São momentos de tensão em que você fica se perguntando no que vai acontecer em seguida. E quando a tensão atinge o clímax, existe aquele momento de violência, onde é brutal e surpreendente.
Queríamos fazer um jogo que fosse dessa forma. Um jogo onde você está morrendo de medo do que pode acontecer, e quando finalmente acontece, é tão violento que você percebe o quanto é difícil de viver naquele mundo. Isso tudo é tão terrível que você entende exatamente por que os personagens fazem aquelas escolhas no jogo.
Porque se a violência não for assustadora ou brutal o bastante, então, quando Joel ou Ellie tomam uma decisão pesada que envolva a morte de outra pessoa, você talvez não sinta o impacto real que isso pode ter, ou pensar que aquilo não era realmente necessário. Mas se você, como jogador, passar pela experiência terrível de ter que lutar para sobreviver, quando chegar a hora de tomar uma decisão difícil, tudo vai fazer sentido.

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