Os rumores sobre os problemas no desenvolvimento de Doom 4 já circulam há algum tempo, mas só nós últimos meses nós conseguimos acesso a novas informações sobre o caso. Eu conversei com quatro pessoas ligadas ao jogo desenvolvido pela id Software, e elas descreveram um estúdio vítima de má administração e falta de comunicação.
Um estúdio que frustrou tanto os próprios funcionários quanto a empresa-mãe, ZeniMax (que controla a Bethesda, produtora de Doom 4 e outros jogos, como The Elder Scrolls V: Skyrim). A Bethesda diz que ainda tem planos de lançar o jogo, mas as fontes afirmam que o shooter passou por uma série de reboots nos últimos anos, e que ele não está nem perto de ser finalizado, mesmo depois de cinco anos em produção. Um dos reboots aconteceu no final de 2011. Depois de três anos trabalhando no novo capítulo da lendária série, a id resolveu começar tudo do zero. Foi o que nossas fontes disseram, e o que a Bethesda nos confirmou nesta semana.
“Uma versão prévia de Doom 4 não tinha a qualidade e a empolgação que a id e a Bethesda pretendiam entregar e que os fãs no mundo todo esperam”, disse Pete Hines, vice-presidente de marketing e relações públicas da Bethesda, em uma declaração ao Kotaku. “Como resultado, a id redirecionou seus esforços numa nova versão de Doom 4 que prometia atender as altíssimas expectativas que todo mundo tinha por esse jogo e pela série. Quando estivermos prontos para falar sobre o Doom 4 que a id está fazendo, nós avisaremos vocês.”
Nós também ouvimos muitos relatos sobre o que aconteceu na id nesses últimos anos, e algumas histórias sobre o que está acontecendo agora. Vamos tentar descobrir o que aconteceu.
Call of Doom
Na QuakeCon de 2007, o lendário programador e cofundador da id, John Carmack, disse que Doom 4 estava a caminho. Em 2008 eles oficializaram o projeto, e nos anos seguintes o estúdio dedicou uma equipe para Doom 4 e uma outra para seu outro jogo de tiro, Rage, que seria lançado em 2011. Os dois jogos estavam sendo feitos com a id Tech 5, nova engine desenvolvida por Carmack.
Segundo uma de nossas fontes, a id inicialmente imaginou Doom 4 como um “retrabalho” de Doom 2. Isso estabeleceria um padrão iniciado em 2004 por Doom 3, que era visto pela id como uma reimaginação do Doom original. Em Doom 4, você seria um cidadão normal que aos poucos vai se juntando à Resistência – um grupo pouco prestigiado formado por civis e militares – para ajudar a combater legiões de demônios que invadem a Terra. Era algo… cinematográfico.
“As pessoas citavam Call of Duty“, diz uma de nossas fontes. “Havia piadas como ‘Ah, é um Call of Doom‘. Elas diziam isso porque o jogo era muito ‘scriptado’ [sequências e acontecimentos pré-programados]. Havia esse reconhecimento de que para fazer um grande shooter atualmente, você precisaria daquela experiência cinematográfica bombástica que empolga as pessoas.”
Outra de nossas fontes criticou essa abordagem, dizendo que o resultado estava sendo medíocre: “As partes mais legais… que eram os elementos de terror e choque, acabaram sendo trocadas por galerias artificiais com hordas de inimigos desinteressantes para matar.”
Uma sequência foi descrita como “aquela parte obrigatória do veículo”, em que o jogador assume a metralhadora montada em um jipe e sai fuzilando demônios enquanto a inteligência artificial dirige. Se você acha que isso soa meio genérico, você não está sozinho. Mas uma de nossas fontes diz que também havia boas ideias em Doom 4.
“A grande preocupação [da id] foi evitar a sensação de ‘Aqui está: um monte de demônios’”, diz uma de nossas fontes. “Havia muitas artes conceituais e protótipos de missões mostrando diferentes partes da Terra sendo dominadas, sendo consumidas e distorcidas num cenário infernal… Não era só demônios: tudo à sua volta está mudando. Os humanos estão começando a sofrer para sobreviver num ambiente que é parcialmente familiar, parcialmente desconhecido.”
Essas ideias não parecem tão estranhas para quem viu aquelas telas que vazaram no final de fevereiro de 2012. Mas não se anime muito. Elas já estavam desatualizadas muito tempo antes de chegarem à internet.
O reboot
No final de 2011, surgiu a história de que Doom 4 passaria por um reboot. A id tinha acabado de lançar Rage, e de acordo com três de nossas fontes, a chefia do estúdio não vinha prestando muita atenção em Doom 4 nos últimos anos. Quando os chefes finalmente viram o resultado, decidiram que não estava à altura do que esperavam. Não era bom o bastante. Era preciso mudar de direção.
“Eu acho que talvez os chefes do estúdio estivessem tão distraídos com o lançamento de Rage que eles ignoraram o que vinha acontecendo com Doom, e todo aquele buraco negro de mediocridade em que o time estava afundando”, diz a nossa fonte.
“Os chefes do estúdio vinham e olhavam para Doom 4“, diz outra fonte, “e era meio que ‘Agora que eu estou vendo de verdade esse jogo depois de ignorá-lo por três anos, e tem uma tonelada de coisas que eu quero mudar.”
Todas as minhas fontes descreveram a id como uma empresa cheia de talentos, mas sem direção. As políticas e o mau gerenciamento nos cargos mais altos contaminaram o estúdio e causaram um impacto negativo em todos os projetos, então muitas pessoas na id começaram a ficar alucinadas pelo reboot, mesmo que isso significasse mudar ou descartar o trabalho que eles já tinham feito, conta uma fonte.
“Era um reboot que estava muito atrasado e que foi acompanhado por mudanças internas na equipe de gerenciamento”, diz a nossa fonte. “A moral da equipe melhorou muito nesse curto período de tempo, já que as pessoas foram incentivadas a participar, e existiam algumas ideias bem legais rolando.”
Em certo momento, uma de nossas fontes diz, a equipe de Doom 4 teve uma grande reunião em que os chefes do estúdio falaram o que Doom significava para eles. John Carmack teria se levantado à frente de todos e dito algo como “Doom significa duas coisas: demônios e escopetas.”
Enquanto isso, a equipe de Rage já tinha começo a planejar Rage 2, diz uma de nossas fontes. Mas quando o primeiro jogo foi recebido sem muito entusiasmo pelo público e pela crítica, os executivos da ZeniMax decidiram se aproximar do processo de desenvolvimento da id. Nos meses seguintes, a ZeniMax se encontrou com a chefia da id, cancelou Rage 2 e diminuiu o escopo dos DLC’s de Rage, diz a nossa fonte.
O novo plano, em janeiro de 2012: reorganizar o estúdio, adiar ou cancelar todos os outros projetos e colocar todo mundo para trabalhar em Doom 4.
“Rage saiu, e não foi o sucesso estrondoso que todo mundo esperava que fosse”, disse uma fonte. “O que eventualmente aconteceu foi que a ZeniMax disse ‘Ok, nós demos várias chances para vocês, e vocês estão tendo muitos problemas em gerenciar múltiplos projetos, então vocês terão um projeto: fazer Doom 4, apenas.”
“Não houve só um reboot de criação, mas um reboot de tecnologia”, disse outra de nossas fontes. Embora não fosse oficialmente um reboot do jogo, havia uma nova equipe e um novo código, então para parte da equipe era um começo do zero.
“A id começou com o código base de Rage, e passou muito tempo mesclando nele os elementos de Doom.”
Uma de nossas fontes descreve uma reunião em que executivos da ZeniMax disseram à chefia da id que “Doom 4 pode e deve ser tão grande quanto Skyrim” no que diz respeito a vendas e impacto cultural. (Skyrim, o RPG gigantesco da Bethesda, levou 7 milhões de cópias às prateleiras em sua semana de lançamento, em novembro de 2011. E todo mundo falava sobre ele – não só os jogadores hardcore.)
Para pelo menos alguns funcionários da id, as energias renovadas com o reboot inicial de Doom 4 não duraram muito tempo. Uma de nossas fontes descreve a cena como uma “luta pelo poder”, com os chefes das equipes de Rage e Doom 4 tentando descobrir como mesclar seus times.
“Você tem várias culturas diferentes, e aí elas são meio que misturadas de uma vez”, disse uma das fontes. Outra de nossas fontes descreveu o direcionamento do jogo como “uma bagunça”, mesmo depois do reboot.
“Ideias ambiciosas de criaturas maiores no jogo se transformaram em variações de comportamento medíocres”, disse a fonte. “A história se tornou simplória e inadequada até para um programa de sci-fi de TV, e a equipe não tinha muito um senso de autoria e colaboração no projeto. Basta ver o êxodo de talentos que ocorreu desde então.”
Nossas fontes também disseram que os principais funcionários da id saíram ou foram demitidos, e que o “êxodo” continuou até 2012.
Segundo nossas fontes, Doom 4 está planejado para a nova geração de consoles, mas a data de lançamento ainda está em aberto. Na QuakeCon em agosto de 2012, Carmack disse que o jogo “estará pronto quanto estiver pronto“, mas nossas fontes dizem que esse “pronto” pode estar muito longe ainda.
“A id nunca esteve nem próxima de um produto finalizado”, diz uma das fontes. “Uma meia dúzia de fases medíocres era o máximo que ela tinha para mostrar.”
Duas fontes me disseram que no começo deste ano, a ZeniMax, frustrada com a falta de progresso em Doom 4, deu um ultimato à id: faça alguma coisa. Os detalhes da ameaça não são muito claros, mas existem muitos boatos circulando em Dallas (Texas), sede do estúdio.
Um rumor diz que a ZeniMax ameaçou fechar a id se ela não terminar o jogo até o próximo ano, mas duas de nossas fontes disseram que isso parece improvável. O mais provável, segundo nossas fontes, é que se a id não conseguisse terminar Doom 4, a ZeniMax faria uma limpa no estúdio e reorganizaria a empresa para trabalhar a engine id Tech 5, que atualmente é usada em vários projetos em estúdios da ZeniMax.
Mas a Bethesda diz que Doom 4 ainda está em desenvolvimento, e pelo menos uma de minhas fontes continua otimista, acreditando que, apesar de tudo que aconteceu até agora, o jogo será lançado… um dia.
