terça-feira, 30 de outubro de 2012

Entrevista com Katsuhiro Harada, produtor de Tekken

Katsuhiro Harada - Fernando Mucioli

Quando Katsuhiro Harada, o produtor da série Tekken, pensava no Brasil, imaginava praias, mulheres de biquíni e pessoas andando de chinelo na rua. Mas quando ele chegou aqui, para visitar a Brasil Game Show 2012, o que ele encontrou foi o frio bizarro da primavera de São Paulo, além de muitos fãs.
Nós já havíamos batido um papo interessante com o desenvolvedor japonês há alguns dias, por e-mail. Mas não víamos a hora de chegar o Brasil Game Show para nos encontramos com ele frente a frente e ver se toda aquela cada de mau das fotos era justificada. Era 10h da manhã de um sábado quando o vi pela primeira vez, no saguão do hotel onde ele estava hospedado, em São Paulo. Os óculos escuros, pelo menos, já estavam devidamente posicionados no rosto.
Mas logo que o papo começou, ele se mostrou muito mais simpático e aberto do que as fotos poderiam dar a entender. E, mais do que um personagem, descobrimos que ele é uma pessoa com uma visão muito clara da indústria onde trabalha. E também de que as pessoas podem ser irritantes no Twitter. 
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O que você achou do Brasil até agora?
Essa é primeira vez que eu vim… e eu percebi que as informações e imagem que a gente tem no Japão sobre aqui são um pouco defasadas.
Eu me assustei como quando você sai de noite a cidade se parece com Nova York, e eu realmente achei que estaria mais calor. Eu cheguei e pensei “Hoje tá frio? O que tá acontecendo?”. Eu não imaginava que todo mundo estaria usando roupas de manga comprida, mas sim andando de biquínis e sandálias. Ninguém usa sandália! Nesse sentido eu me assustei um pouco, era uma imagem diferente da que eu tinha.
Você já teve contato com os jogadores brasileiros de Tekken?
Ainda não tive contato direto com eles.
E pelo Twitter?
Pelo Twitter, sim.
E você usa bastante o Twitter, não é?
Pois é.
Quantas horas por dia, mais ou menos, você fica no Twitter?
Bom, quando não dá, não dá. Tem dias que eu fico o dia inteiro sem olhar o Twitter. Mas quando tem algum anúncio ou quando eu saio pra beber à noite, eu fico umas duas horas, ou até quatro horas. Antes de dormir ou até quando eu não consigo dormir, eu fico olhando o Twitter e fazendo anotações.

Tekken

E o que você acha de poder ter esse contato tão direto com os fãs?
Basicamente eu acho realmente muito bom. Porque, salvo algum engano, esses seguidores [no Twitter] representam uma audiência muito grande e nós conseguimos usar isso para fazer as nossas pesquisas.
Nós temos empresas que fazem pesquisas para saber o que as pessoas acham de determinados jogos, e temos todos os dados dessas pesquisas de marketing. Quais personagens são mais populares, como as pessoas jogam e coisas do tipo. Mas o importante de falar com essa audiência grande no Twitter é saber as opiniões particulares de cada um dos seguidores. É um método de saber o que cada jogador está pensando. Quando eu pergunto as opiniões das pessoas no Twitter, eu não quero ouvir ninguém dizendo “nós queremos” tal coisa. Nós temos os dados, eu já sei disso. O que eu quero saber o que “você” está pensando.
E ouvindo essas opiniões particulares nós ganhamos dicas boas. Nós recebemos informações muito precisas, até chocantes. Nós fazemos isso para ganhar inspiração, e por isso a interação com os fãs é importante. Acho que é bom podermos fazer esse tipo de coisa.
Apesar de eu me irritar de vez em quando.
E o que mais te irrita?
Ah, tem várias coisas. Uma é quando pedem para reviver coisas dos jogos passados nos atuais. A palavra chave é “bring back”, é o spam que eu mais recebo. E isso não se limita só a personagens: também falam de músicas, modos… é sempre “bring back alguma coisa”. 
Como quando ficavam pedindo para trazer a Unknown de volta.
É, teve isso. Tem uma coisa estranha que eu achava que acontecia só no Japão, mas é no mundo todo. Existe fãs do Xbox 360, os do PlayStation 3, os da Nintendo e também os de PC – e sempre tem alguém que reclama de “por que a gente não tem isso” na plataforma dele. Parece até religião. Isso eu não consigo entender. Eu tenho todos os consoles e jogo até no PC, então eu não consigo entender porque as pessoas escolhem uma plataforma e ficam tão bitoladas nela.
Por exemplo, nós anunciamos a volta do modo Tekken Ball no Tekken Tag Tournament 2 de Wii U. Por outro lado, as versões de Xbox 360 e PlayStation 3 têm o World Tekken Federation e fomos um pouco mais a fundo com o modo Tekken Tunes. Cada versão tem os seus elementos especiais, que fomos colocando à medida em que tínhamos as ideias, mas cada lado fica reclamando para o outro. Eu realmente não entendo. Nem parece que eles são fãs de jogos. Fico vendo essas coisas e imagino onde o mundo vai parar.
Qual é o fascínio dos jogos de luta?Porque tanta gente se reúne em torno dos jogos de luta?
Eu tenho várias opiniões a respeito disso mas acho que, a princípio, não existe nenhum outro gênero tão “quente” quanto o de luta, no bom e no mau sentido. Você se empolga quando vence, mas, se perde, você fica irritado, entra até em choque. Não tem tipo de jogo que te coloque mais pressão do que esses.
A experiência de um jogo de luta envolve reflexos, conhecimento e técnica, e tudo isso é negado quando você perde. Em um RPG, com certeza você vai passar de nível e ficar mais forte se ficar treinando e conseguir equipamentos melhores. E o jogo mostra quanto tempo você gastou. Mas no jogo de luta, você pode treinar e treinar, e achar que ficou bom, mas aí quando você pensa que ficou mais forte, aparece alguém um pouco mais forte e você fica pensando no tempo que você gastou. Isso é algo que não é só dos jogos de luta, mas também no resto da vida e nas lutas de verdade. Por isso eu acho que os games de luta têm uma dose de realidade.
É o que acontece no mundo: as pessoas têm dificuldades e ficam mais fortes. Essa alegria de vencer e a raiva de quando você perde é o que amarra tudo junto.

Harada e Fernando

E a série Tekken?
Tem vários tipos de pessoas que jogam Tekken e, apesar de eu achar que esses sentimentos que envolvem vencer e perder valem tanto para os jogadores hardcore quanto para os outros, o que é diferente na motivação é que muitas pessoas não ligam muito para tentar ser o melhor do mundo e só querem, por exemplo, ser mais forte que o seu irmãozinho em casa. Ou o mais forte de um grupo de amigos. O importante é fazer várias pessoas experimentarem essa sensação de pequenas disputas amigáveis, nem que seja um pouco, dentro dos seus grupos. E acho que muita gente gosta de Tekken por causa disso.

Agora que o gênero dos jogos de luta se estabilizou, para onde ele deve ir?
Essa é uma pergunta difícil. Pessoalmente, um dos caminhos é o seguinte: desde que se tornou possível jogar online, as pessoas deixaram de sair tanto de casa. E estranhamente, apesar disso, o número de torneios aumentou muito mais com relação à época em que não existia o online. Aumentaram muito as ocasiões em que várias pessoas se reúnem em um único lugar para jogar. Esse é um fenômeno muito comum entre os jogadores mais hardcore. Continuar por esse caminho é uma das saídas, e é a saída atual. 
Enquanto isso, os dispositivos móveis e sem fio, como iPhones e iPads, têm evoluído muito. Se antes, por causa do trabalho, você não podia mais ficar sentado na sala jogando videogame, agora é possível jogar durante pequenas pausas. Isso se tornou um estilo de vida, principalmente para as pessoas mais velhas, que podem jogar em viagens. Você pode até jogar com pessoas do resto do mundo pelo Wi-fi. Então, outro caminho talvez seja fazer jogos de luta desse tipo, que use essas plataformas e sejam mais de ação, que usem estratégia e conhecimento mais do que dependem de controles complicado. É isso que eu tenho pesquisado ultimamente
E como anda o desenvolvimento do Tekken x Street Fighter?
Humm… acho que vai demorar um pouco mais de tempo. Eu até gostaria de lançá-lo mais rápido, mas agora as pessoas estão empolgadas com o Tag 2. Ele vai ter novos personagens, elementos e atualizações, e está fazendo sucesso. Eu quero continuar dando suporte para ele. Por outro lado tem o Street Fighter X Teken da Capcom. Eles estão renovando o jogo bastante, além de lançá-lo também para o Vita.
Eu cheguei até a pensar em lançar o jogo no ano que vem, mas as pessoas ainda vão estar jogando outros jogos. Então eu também quero continuar fazendo as coisas com calma. Eu gostaria que as pessoas esperassem mais um pouco.
Desde que Street Fighter IV saiu, as empresas não tem lançado jogos de luta demais? Foram um SF IV por ano, dois Marvel Vs. Capcom 3 em um ano só, cinco ou seis BlazBlue… isso não causa uma influência ruim no mercado?
Dizer que é uma influência ruim faria parecer que eu estou criticando as empresas, então não quero que haja nenhum mal entendido. Mas uma das coisas é que os jogadores ficam hesitantes. Pode ser algo até bom para quem gosta desses jogos, já que quem joga games de luta 2D normalmente não fica só em um deles.
Se aparece uma versão nova de uma coisa que você gosta, vai dar vontade de experimentar. Mas o resultado é que a comunidade se divide e a audiência do jogo fica dispersa, e eu acho que isso acontece muito. Eu acho, e muitas pessoas concordam, que é preciso pensar melhor quando lançar jogos novos. Se eu dissesse que lançaria o Tag 3, elas ficariam meio bravas. Se eu falasse: “Vamos lançar Tekken 7 no fim desse ano”, todo mundo ficaria “Hein?”. Acho que chegou a época de começar a pensar melhor em que ritmo lançar os jogos.
Você e o Yoshinori Ono (Capcom) parecem se dar muito bem. Onde vocês se conheceram?
Nós dois sabíamos que existíamos já há mais de 10… há uns 15 anos. Mas só de ver os nomes em créditos e avistar em eventos de games. A gente nunca tinha conversado diretamente.
A primeira vez foi há uns 5 anos, em um evento, durante uma apresentação da Sony Computer Entertainment. Nos colocaram em cima do palco e falaram para a gente interagir, e isso foi a oportunidade de começarmos a nos falar mais.
As nossas personalidades são completamente diferentes. A gente até pode ser parecido, mas não é bem assim. Eu sou muito mais de ideias e o Ono é melhor com planos. Nós somos completamente diferentes, mas nos demos bem e começamos a conversar.
E você não gostaria de trabalhar na mesma empresa que ele?
Se fosse em uma empresa de games, uma empresa no mercado de games, eu não trabalharia com ele. Nós trabalhamos muito diferente e ele provavelmente não conseguiria entender o jeito que eu faço as coisas. Eu até entendo os métodos dele, mas não trabalharia como ele trabalha. Mas se fosse com alguma outra coisa, sei lá, como um restaurante, talvez funcionasse.
Por último: o mercado de games japonês está passando por um momento difícil. Dizem que as ideias já não são tão boas e os jogos, não tão divertidos. O que você acha disso?
Eu acho que essas opiniões estão certas, pelo menos em parte.
Há a questão de que hoje se fazem jogos usando outros jogos como referência. Tekken tem influências de filmes e quadrinhos, mas também se inspira no mundo das lutas reais. É daí que vem a nossa inspiração.
Mas hoje, na indústria de games japonesa, não se faz mais isso de buscar em inspiração em algo real. Há muitos casos em que se faz jogos olhando apenas para outros jogos. Os FPS tão vendendo muito nos Estados Unidos, e isso, além da qualidade cinematográfica dos gráficos, tem influenciado muito os japoneses a criar jogos de tiro em terceira pessoa, mas isso não tem dado muito certo.
Enquanto isso, os animes sao conhecidos no mundo todo, mas os jogos que se inspiram neles vendem só no Japão, e não fora. É uma cultura muito única. Para mim, se você ver os jogos japoneses, existem sim muitas ideias novas e interessantes. Mas na hora de lançá-las para o mundo, falta alguma coisa. Talvez melhorar os gráficos ou talvez mexer nas mecânicas para que elas sejam mais simples. As ideias existem, mas é preciso saber expandi-las para o resto do mundo.
Existe Gundam, por exemplo. Gundam não vende muito no exterior, mas tem muitos jogos bons de Gundam que fariam sucesso no resto do mundo. Talvez o tema não seja apropriado, ou talvez a representação não seja boa. É isso que o Japão precisa ver. As ideias boas existem, mas é preciso pensar melhor nelas. 



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