domingo, 24 de junho de 2012

Como os 22 experimentos de Molyneux podem revelar ideias novas para os games

Divulgação

Muitas das convenções que hoje são básicas no cinema, na literatura, na fotografia e outras artes surgiram, ao longo das décadas e dos séculos, a partir de artistas experimentais, independentes. Então virou um senso comum esperar que as próximas grandes inovações nos games também venham de uma cena indie vibrante, e que os games se tornem uma espécie de vanguarda. Enquanto essa cena indie vem prosperando ultimamente, muito por causa da distribuição digital, a discussão sobre vanguarda foi trazida à tona por… sim, Peter Molyneux.
Existem diversos designers trabalhando em jogos pequenos, inovadores, experimentais. Designers que nós poderíamos considerar, coletivamente, de um movimento de vanguarda. A maioria é obscura, assim como muitos dos cineastas experimentais dos anos 60 ainda permanecem obscuros fora de alguns currículos universitários. Os jogos e as artes experimentais não são exatamente os assuntos mais comerciais do mundo.
Mas Molyneux é bastante conhecido, tem uma carreira que inclui Populous, Black and White e Fable, entre outros jogos. E ele chamou atenção o bastante quando anunciou sua saída do Lionhead Studios para formar a start-up 22 Cans (que está contratando).
Essa empresa vai lançar 22 “experimentos” para entender melhor como os jogadores funcionam. O primeiro, Curiosity, chega em breve. Será uma sala virtual com um cubo no centro – os jogadores acertam o cubo, até que ele quebre e revele algo “extraordinário” ao autor da última pancada. A soma de todos os 22 experimentos vai, teoricamente, formar uma montanha de dados que vão indicar como as pessoas realmente lidam com ferramentas sociais, formando a espinha dorsal de um jogo que será lançado dois anos depois.

Peter Molyneux, ex-Lionhead Studios e atual 22Cans (© Renato Bueno/Kotaku Brasil)

Quando eu soube desse conceito, lembrei na hora de Os Simpsons. Isso mesmo. Mais especificamente, o episódio “22 Short Films About Springfield”. E, na verdade, minha intuição estava certa.
Esse episódio não só pega referências explícitas de Pulp Fiction, mas também de um filme independente chamado Thirty Two Short Films About Glenn Gould. Tanto os originais quanto o episódio dos Simpsons dizem que a melhor maneira de entender alguma coisa – um dia, uma pessoa, uma história – é abordá-la de diversos pontos de vista ao mesmo tempo. Uma série de “vinhetas”, diz a ideia, pode dizer mais do que uma análise profunda em linha reta.
Da mesma forma, os 22 experimentos pretendem formar um grande projeto que nos diga mais sobre quem somos e como nos comunicamos. Mais do que um projeto focado e aprofundado. 
As ideias de Molyneux sempre foram cheias de promessas que não necessariamente se concretizavam nos jogos finalizados. Em Black & White, você era um deus que não se sentia tão onipotente assim; Fable sempre prometia uma ampla gama de escolhas, mas acabava sempre ficando entre um dilema binário. A maior expressão das ideias de Molyneux talvez tenham se estabelecido nos jogos em que ele nunca botou a mão: todos aqueles que foram criados na Molydeux Game Jam, uma ideia que nasceu como piada, mas que o próprio Molydeux aprovou. 

Black and White 2, do Lionhead Studios

Os jogos da Jam vieram de ideias tuitadas do Molyneux fake no Twitter, Peter Molydeux. E isso, em vários sentidos, é o melhor sinal de que o mundo dos games nunca esteve tão pronto para receber ideias de fora. Centenas de pessoas desconhecidas, e dispostas a contribuir com algum talento, reuniram-se em diversas cidades durante um fim de semana para criar jogos baseados deliberadamente nas ideias absurdas de uma pessoa que só existe para tirar sarro da indústria de games mainstream.
É claro que nem Molyneux ou Molydeux estão à altura de um Andy Warhol. E qualquer game design que procure fugir dos caminhos batidos desse meio precisa ter menos drogas psicodélicas e orgias do que boa parte da arte dos anos 60. Mas existe esse questionamento fundamental: o que é o nosso meio, por que ele funciona desse jeito, e será que conseguimos desmontá-lo para criar algo novo com seus elementos? 

Kotaku

De certo modo, nós estamos vendo nos games o surgimento de uma variação da velha “vanguarda” – algo mais suave e persuasivo, menos incisivo ou irritado. E isso vem se transmitindo de maneira acessível, “jogável”, com uma velocidade e tanto. Jogos que surgem na Xbox Live, na PlayStation Network, nos portáteis e até mesmo via download para PC estão pulando fora dos gêneros estabelecidos antes mesmo que nós possamos pensar no nome dos novos gêneros.
Como você classifica games como Journey e Flower, que provam que um jogo pode ser limitado aos seus componentes mais básicos, e ainda assim ser belo e relevante? Como descrever Sword and Sworcery? Você pode contar para alguém o que é Minecraft, mas suas palavras não vão conseguir explicar o porquê de o jogo ser tão adorado. Como você explica que Johann Sebastian Joust é um game, mesmo que ele funcione sem uma tela
Onde estamos hoje, na metade de 2012, a linha entre a arte de dentro e a arte de fora vai ficando borrada. Não há dúvidas de que precisamos de toneladas de recursos para fazer o que chamamos de um “jogo mainstream”. E essa indústria mainstream faz o favor de romper os limites de inovação tecnológica. Então, qualquer pessoa que esteja fora desse sistema não terá os milhões de dólares para, por exemplo, melhorar a física de uma grande “engine”. Mas os jogos precisam de participação, e os jogadores têm muito a acrescentar. Nessa era de mods e engines mais baratas e acessíveis, do conteúdo gerado pelo usuário e das redes sociais, o participante tem muito a acrescentar às experiências. 
Para cada jogo que aparece como que do nada, fora do cenário mainstream, uma parte do mainstream muda. Vemos o ápice desse fenômeno (e seu pior lado comercial) na proliferação de jogos de Facebook e aplicativos mobile que são quase idênticos entre si, e naqueles que são plagiados sem pudor. Uma boa ideia se transforma imediatamente numa boa ideia mainstream, se puder ser copiada rápido o suficiente. 

Journey (© PS3)

Outras ideias, porém, demoram um pouco mais para ecoar. O “menos é mais” do multiplayer de Journey, por exemplo: não vai ser a última vez que veremos um barulhinho substituir toda a fala humana. E jogos como Braid e Fez, que intencionalmente usam marcas registradas de alguns gêneros para subverter esses mesmos gêneros, ficam mais populares a cada ano. E não é raro ver um pensador que prefere trabalhar fora do “establishment” conseguindo os recursos para fazer isso dentro da indústria mainstream, e de maneira relevante. O que nos leva de volta a Peter Molyneux. Sejam lá quais forem as 22 coisas que nós iremos aprender sobre como os jogadores se relacionam com o conteúdo, o valor e o próprio ato de jogar um game, podemos esperar que essas ideias serão usadas. Em todos os lugares. Não só nos projetos que a 22 Cans conseguir criar até 2015 e mesmo depois, mas em outros jogos que compartilham o mesmo ecossistema. Se alguém realmente está disposto a pagar US$ 77.000 por um “power up” em Curiosity, todos que fazem jogos vão parar e ouvir. Ideias, boas ou ruins, viajam rapidamente. E depois que elas deixam a Caixa de Pandora, elas não voltam mais. Eu realmente espero que as 22 coisas que nós aprenderemos mostrem o melhor lado da natureza humana, e não o pior. E espero que, no final, elas nos tragam jogos melhores, e não mais lucrativos. Essas vibrações não vão parar no primeiro jogo. Elas nunca param.



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