quinta-feira, 7 de junho de 2012

Review - Diablo III: o retorno do clássico

Ilustração: Daniel W./Max Reebo

Jogar Diablo é suprir algumas necessidades básicas do nosso cérebro num ciclo viciante e cheio de recompensas. Eu clico, clico, clico, ganho coisinhas douradas e mergulho numa cachoeira de dopamina que deixa a vida muito mais feliz. É como se eu fosse um macaco de laboratório, mas um macaco que entrou nessa por conta própria e sabe o que está fazendo. Às vezes parece um trabalho. Mas é um trabalho mais justo e recompensador do que qualquer tarefa na vida real, com suas 60 horas de escritório, mais 20 de trânsito na marginal e um loot vagabundo no fim do mês.

Diablo III

Diablo III não muda sua fórmula secular, não revoluciona esse gênero RPG de ação meio moribundo, que não via nada de bom desde que Torchlight apareceu. Mas ele continua sendo o jogo mais divertido, o “gameplay” mais instintivo e viciante em muitos anos. É o prazer mais primário de jogar videogame, sem preocupações com mecânicas primorosas, gráficos purpurinados ou histórias do outro mundo. Tudo o que você precisa é de um mouse e alguns anos livres à sua disposição (e muita fé nos servidores da Blizzard).

O ciclo do prazer
Clica, mata, pega item, vende, clica, mata, pega item, compara, troca, clica, mata. É isso que você faz do começo ao fim de Diablo III, e é o que você vai continuar fazendo depois do fim do jogo, com as expansões, níveis de dificuldade elevados e jogatina com os amigos. Igualzinho fizemos em Diablo II por quase 10 anos.
Mas eu não reclamo disso. Está bom assim, então por que tentar disfarçar essa simplicidade com mecânicas complicadas? Diablo III é tão instintivo e direto ao ponto que você não se cansa nunca de jogar.
E não falo como metáfora. Você, literalmente, não se cansa de jogar, por mais que o seu corpo não aguente mais. Você desliga o computador, percebe que são seis horas da manhã, seus olhos estão trincados, seu pulso está latejando de dor. Mas sempre existe “mais um calabouço” ou “mais uma quest” ou “ok, só até o próximo item raro cair” para manter você ligado no eterno e viciante ciclo  de cliques. Você só para porque, quem diria, tem um pequeno caminhão de quests para cumprir na vida real.

Diablo III

Diablo III é divertido, imersivo e infinito porque ele sabe do que você precisa para se divertir, e não oferece nada além disso. Um clique significa um ataque, um outro clique, um ataque mais forte. Aquele item é mais forte que esse porque os números ficam verdinhos, aquele é mais fraco porque os números ficam vermelhos. Então eu posso pegar 300 itens ruins, vermelhos e que não me servem, mas basta brilhar uma espada nova, dourada e com uma lista de benefícios em verde, para o meu cérebro entrar no modo EUFORIA TITÂNICA e recomeçar o ciclo do prazer tudo de novo.
Os novatos não demoram muito para virarem especialistas, e a galera da velha guarda não vai ter muito o que aprender, mesmo. E sempre existe mais um nível de dificuldade, ou mais 200 conquistas, ou mais um conjunto épico de itens para pegar. Conteúdo demais para você repetir a mesma ação. E de vez em quando ser presenteado com [SPOILER] explosões orgásticas de recompensa.
Os jogadores das antigas vão estranhar novidades como a substituição da árvore de habilidades de Diablo II por um sistema de runas mais prático, além da remoção da personalização de atributos e de itens como os pergaminhos de portais. Mas tudo isso são provas de que a Blizzard não parou no tempo.
Essas mudanças dinamizam e facilitam a experiência do jogo. Ninguém tem mais tempo de ficar se preocupando com porcentagens de ataque e defesa, caçar FAQs na internet em busca da build mais poderosa ou ficar remoendo a morte do seu personagem porque você errou e clicou em “poison dagger” em vez de clicar em “bone spirit” na hora de colocar aquele último ponto de skill (história verídica).

Diablo III

Em um jogo tão divertido de jogar, reclamar desses ajustes é como reclamar que Diablo III está colorido demais: uma nostalgia irracional que sempre acaba em discursos saudosistas sobre um jogo que foi lançado em 2000 – quando 256 kbps de banda larga custavam R$ 200, você tinha que decorar o número do seu ICQ, ainda faltavam 4 anos para o Google lançar o Orkut e a maioria de nós não sabia o que fazer da vida.
Diablo II era o melhor RPG de ação da época em que você tinha seus 15 anos de idade e não precisava se preocupar com nada além do jogo e da menininha bonitinha na aula de literatura. Diablo III é o melhor RPG de ação desta era de aquário, em que você vive trabalhando para comprar de volta o tempo que perdeu trabalhando.

Nem sempre funciona
Mas chega uma hora em que essa torrente de euforia tem recaídas, e então eu me junto aos xiitas antimudanças para reclamar. Em alguns casos, a culpa é do velho Cain. Ou da Blizzard, na insistência em construir uma narrativa importante e em exigir a conexão em servidores que ainda não estão prontos.
Em Diablo II, você podia acompanhar e entender toda a história através das 5 cutscenes entre os atos. Agora você precisa ouvir declarações, frases longas e diálogos perdidos no ar enquanto a ação está rolando. E quem a história de Diablo pensa que é para disputar atenção com a ação de Diablo? Sim, eu admiro muito o vocabulário rico desse folclore demoníaco, a boa tradução para o português e a preocupação com os detalhes. Mas nem sempre eu quero ver um discurso rebuscado tentando ser mais importante que o meu herói na tela.
Antes a narrativa não se intrometia muito no jogo e, mesmo assim, continuava sendo muito bacana de acompanhar. Marius era um ótimo narrador-personagem, contando tudo de um ponto de vista bem distante dos heróis que controlávamos. Mas em Diablo III, nossos protagonistas são os narradores da história e participam muito mais ativamente dela, com diálogos e monólogos e dezenas de cenas explicando aquilo que acabamos de fazer entre as missões. Isso atrapalha o fluxo da jogatina, obrigando-nos a clicar no X de caixinhas de diálogo em vez de clicar em monstrinhos. É bacana da primeira vez, mas é duro de aguentar quando você vai repetir a história nas dificuldades superiores. Saudades de Bastion.

Diablo III

O esforço dedicado à narrativa de Diablo III é mais bem aproveitado nas dezenas de cartas, livros e descrições de monstros que você encontra pelo caminho. É uma maneira interessante de expandir o universo do jogo e introduzir seus conceitos básicos para novos jogadores. E como tudo é narrado (em um belo português-carioquês com direito a Seu Madruga), não chega a incomodar a jogatina. Afinal, Diablo foi feito para ser clicado, e não para ser lido. (E eu adoro o folclore de Diablo, mas não acho que ele deva interferir tanto assim no jogo).
Quanto às restrições de conexão, entramos em terrenho mais espinhoso. Tudo o que a Blizzard aprendeu em World of Warcraft foi aplicado em Diablo III. Isso inclui a obrigação de jogar online – uma camada de MMORPG em cima de um jogo que sempre foi muito mais divertido entre amigos.
Diablo II tinha uma experiência bem mais complicada, mas conseguiu sobreviver por 12 anos porque tinha um multiplayer poderoso, capaz de gerar uma comunidade fiel e incansável. World of Warcraft está aí, vivão com seus 10 milhões de jogadores.
Então esse “DRM que não é DRM” de Diablo III acaba sendo Diablo II + WoW. Foi a solução da Blizzard para nos manter jogando para sempre – é simples assim.
É claro que seria muito melhor se a Blizz nos permitisse jogar offline, mas não é o fim do mundo. É um saco ter que estar sempre preocupado com a tão confiável conexão de internet brasileira. É um saco aguentar o erro 37 e servidores instáveis. Mas é muito legal ter sempre uma lista de amigos para chamar para a festa, discutir estratégias ou mostrar os espólios de suas últimas batalhas.
Ainda é difícil dizer que os prós justificam os contras dessa política, mas jogar online enriquece muito a experiência de Diablo. A jogatina ficou mais significativa e menos robótica.

Plano de carreira
Eu passei mais de 6 anos da minha vida curtindo Diablo II, entre centenas de rushs contra o Mephisto, dezenas de personagens hardcore e uma chuva infinita de itens. Até hoje eu ainda tenho recaídas, e acabo voltando para matar as saudades. Diablo III conseguiu, nos seus primeiros 30 minutos, me convencer de que tem o potencial de ser tão extenso, tão envolvente e infinito quanto o II. Ou até mais, graças à sua simplicidade primorosa e a tranquilidade de sempre ter uma lista de amigos para provar que não estou sozinho.
É uma injeção interminável de prazer em nossos neurônios cansados. Eu, que perdi uma personagem depois de dezenas de horas investidas, já criei outra e sigo jogando. Fico torcendo para alguém prender uns eletrodos na minha cabeça, e assim entendermos melhor o que acontece quando alguém sai matando demônios e pegando moedas de ouro. Porque, até que venham com uma explicação científica, eu vou continuar me vendo como o macaquinho ali de cima clicando por bananas (por mais que isso sirva para legitimar as piadinhas de internet e o senso comum/idiota que diz “videogame vicia”).
Então vamos para mais 6 (ou 12) anos de jogatina? Se depender de mim, e da enxurrada de bananas caindo aqui, eu acho que sim.

Divulgação

Plataformas: PC e Mac (quem sabe um dia nos consoles)
Desenvolvimento e Distribuição: Blizzard
Lançamento: 15 de maio de 2012 (versão digital), 6 de junho (nas lojas do Brasil)
Preço: R$ 99,90






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