quinta-feira, 14 de março de 2013

Marta Suplicy, vale-cultura e a revolta gamer

Asura's Wrath

O mundo dos games está em guerra contra Marta Suplicy, Ministra da Cultura desde setembro de 2012, por declarações recentes envolvendo jogos eletrônicos e o vale-cultura. O benefício foi sancionado por Dilma em dezembro, e prevê que o trabalhador ganhe uma grana para gastar “em cinemas ou teatros e na aquisição de livros, CDs e DVDs”. Marta deixou os games de fora e irritou muita gente. Mas, como sempre, o figurativo buraco dessa questão é bem mais embaixo.
O vale-cultura beneficia trabalhadores que ganham até 5 salários mínimos (R$ 3.390) e sejam devidamente registrados no regime CLT (desculpem aí os pejotinhas). O trabalhador receberia um cartão que poderia ser recarregado mensalmente com R$ 50 em valores acumulativos, sendo R$ 5 descontados do salário do trabalhador que optar por receber o vale e R$ 45 pagos pela empresa que aderir ao programa. O governo, então, reduziria o imposto das empresas participantes em 1%. O trabalhador, no entanto, poderia gastar essa verba como quisesse – cinema, CDs, DVDs, teatro, shows e afins. À primeira vista parece lindo.
A treta começou quando Marta Suplicy, durante uma audiência na Assembleia Legislativa de São Paulo, no dia 19 de fevereiro, foi questionada pelo pesquisador e game designer Francisco Tupy sobre a inclusão de games no programa. “Eu não acho que jogos digitais sejam cultura”, foi a resposta da ministra, segundo a transcrição um pouco confusa no blog de Kao Tokyo. A treta continuou nesta semana, quando Marta avisou que o vale-cultura também não valeria para assinaturas de TV a cabo e aproveitou para reforçar que “nem pensar”, os jogos não vão, mesmo, entrar no pacote.
As declarações de Marta são estranhas, parecem vir daquela tia que manda um “desliga essa porcaria, Pedro Falcão, vai ler um livro educativo!”. Ela parece não ter escolhido bem as palavras, o que piorou bastante as coisas. Nas últimas três semanas estamos em contato com os assessores da Ministra, pedindo que ela esclareça essas declarações e responda a outras perguntas que fizemos, mas as respostas estão sendo adiadas diariamente. Qual a visão do MinC em relação aos games? Games são cultura? O governo não apoia a cultura de jogos no Brasil? Por que eu não posso comprar meu game com o dinheiro público? Dear Esther é jogo?
O “discurso” de Marta irritou o consumidor e parte da indústria brasileira de games. A Acigames, que até se preocupou em promover um jogo em Flash ironizando as declarações da Marta, levantou a bandeira de que o Ministério da Cultura parece estar em uma cruzada contra os games. A associação publicou uma carta aberta defendendo que game é cultura e listando reportagens que falam sobre “os games e sua relação com a saúde, cultura e aprendizado”. No Twitter, também apareceram dezenas de RTs de jogadores dizendo que “aprenderam inglês com Final Fantasy” ou algo assim. A FATEC de São Caetano do Sul também se pronunciou, listando várias razões para considerar que jogos eletrônicos são, de fato, cultura.
Sim, os games são cultura, ajudam no aprendizado e tudo mais que já estamos cansados de saber por aqui. Mas a questão da exclusão dos games do vale-cultura não tem nenhuma relação com o conceito filosófico do que é ou não cultura e arte – por mais que a ministra pareça não entender nada do assunto. É uma questão de interesses do mercado brasileiro.
O colunista da Folha de S.Paulo Raul Juste Lores vê um problema muito maior no vale do que a ofensa aos egos da indústria de games brasileira. Segundo ele, o vale-cultura “é a maior bandeira do Ministério da Cultura, que vai continuar a usar dinheiro público para bancar a cultura de mercado, aquela que já anda sozinha sem incentivos”. Não incluir jogos eletrônicos é apenas uma escolha mercadológica. Assim como não incluir TV a cabo.
Do jeito que está sendo proposto pelo MinC, o vale, no fim das contas, pode só acabar beneficiando empresas que definitivamente não precisam de apoio do governo federal para se sustentar: redes de cinema estrangeiras, produtoras de Hollywood, a indústria da música, Cirque du Soleil e produtoras ligadas à Rede Globo – basicamente, os grandes nomes que já ditam há décadas a cultura de consumo no Brasil. 
E a quem o vale-cultura realmente beneficiaria caso os games entrassem no pacote? E como? Jogos em distribuição digital ou só versões físicas? Aplicativos de iPhone? Moedas de FarmVille? DLC de roupinha em Street Fighter? Como regular os gastos do bilhete nas redes de distribuição digital? Ou estamos mais uma vez sendo levados a defender os interesses de lobistas da indústria dos games, levados apenas pela paixão, a partir de discursos populistas?
Vale lembrar que o programa não exige nada em troca dessa enorme injeção de grana pública (previsão de R$ 7 bilhões) nessas indústrias dominantes. Como disse Lores no seu texto, “Nos raros países onde existem Ministérios da Cultura com orçamento polpudo, a norma é patrocinar o que o mercado não tem interesse. O novo, o arriscado, o polêmico, o criativo”. As indústrias que já dominam o mercado – incluindo a dos games – conseguem caminhar com as próprias pernas. Quem precisa de ajuda não vai receber nenhuma – com ou sem a inclusão dos jogos no programa.
Continuamos em contato com o Ministério da Cultura, que também não se pronunciou oficialmente em nenhum momento sobre a questão dos games. É claro que videogame é cultura. O próprio MinC reconhece isso no seu site, onde reserva uma seção especial para os jogos. Seria realmente bom poder gastar o vale-cultura com jogos, mas o mundo real é muito mais complicado que isso.
Games continuam sendo cultura, estejam eles no questionável programa de benefício do governo ou não.

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