sexta-feira, 1 de março de 2013

Remember Me: um futuro incrível perdido nas mecânicas de sempre

Remember Me

É difícil saber o que esperar de um jogo que surge de maneira tão inesperada quanto Remember Me. O novo jogo da Capcom deu as caras na Gamescom de 2012 com um trailer impressionante, prometendo um futuro distópico interessante e algumas ideias de mecânicas aparentemente surpreendentes. Nesta semana eu testei as duas primeiras missões do jogo, e saí dos escritórios da Capcom bastante satisfeito, mas não muito impressionado.
Remember Me não é exatamente o que parecia da primeira vez. É, sim, uma excelente distopia com um fundo bastante realista e certo viés crítico. É um mundo interessante e imersivo para explorar. Mas não é um jogo revolucionário, nem muito diferente do que estamos cansados de ver por aí.

Remember Me

O parkour de sempre
Estamos em 2084, em uma versão de Paris muito diferente da que temos hoje. A sociedade do futuro vive em função de uma rede de compartilhamento de memórias, uma espécie de Facebook mental. Você controla Nilin, uma manipuladora de memórias trabalhando para os Erroristas (sem o T mesmo), um grupo que se opõe ao estado de alienação da sociedade.
Se o contexto é de futuro, as mecânicas são mais prosaicas. Você escala (e escala muito) pelos cenários como faria em Uncharted ou Assassin’s Creed. Você entra em pancadarias mano-a-mano no melhor estilo de Batman: Arkham Asylum. E… basicamente, foi isso o que eu fiz na maior parte das minhas duas horas com o jogo.

Remember Me

O Parkour urbano tem a função de sempre: levar você para o próximo ponto da fase em que inimigos te esperam para cair na porrada. A transição entre escaladas e lutas não é nada sutil, muito menos orgânica – você sabe que inimigos vão surgir nas partes mais abertas do cenário, e sabe que não precisa se preocupar com isso nos corredores lineares que te levam até o próximo muro ou abismo.
Felizmente, as lutas são satisfatórias e te dão uma bela sensação do poder. Nilin tem várias habilidades bacanas que podem ser destravadas através de um sistema simples de evolução. Não demora muito para estarmos usando poderes especiais, como sobrecarregar a memória dos inimigos ou entrar em um modo de pancadaria ultra-ágil.
Com um botão, temos um sistema de esquivas muito parecido com o de Arkham City (sempre bom, sempre bom). Com outros dois, fazemos todas as combinações de porrada do jogo, que podem ser personalizadas através de um laboratório de combos. Nele, é possível escolher o que cada golpe vai fazer – dar dano, regenerar a vida de Nilin ou diminuir o tempo de carga de suas habilidades especiais.

Remember Me

Um futuro plausível
A parte mais interessante de Remember Me não está em suas mecânicas, mas em sua ambientação distópica. A Neo-Paris de 2084 é, ao mesmo tempo, deslumbrante e terrível, surreal e absurdamente realista. Um cenário claustrofóbico, cheio de favelas escuras e arranha-céus gigantescos.
Toda distopia tem um pé na realidade. Deus Ex apontava o dedo na cara do complexo de Deus da nossa sociedade. Fallout tira sarro da nossa futilidade e intolerância, e Remember Me dá pontadas na nossa dependência das redes sociais, no nosso vício pelos pequenos prazeres da internet e na nossa alienação diante dos verdadeiros problemas da sociedade.
A crítica ao abuso e a desumanização da tecnologia está em todas as partes. Logo no começo do jogo encontramos os Mutágenos, pessoas horrivelmente deformadas pelo abuso do compartilhamento de memórias. A metáfora perfeita para o semi-humano que existe em função de interações ficcionais.

Remember Me

A única coisa em comum entre os Mutágenos que vivem nas profundezas da cidade e os humanos bem afeiçoados e perfeitamente funcionais que vivem na parte rica de Neo-Paris é o SENSEN. Uma interface virtual de compartilhamento de memórias criada pela empresa Memorise. Uma espécie de Facebook do futuro que as pessoas implantam no próprio corpo.
Se parece confuso, é porque é. Remember Me tem uma história complexa e cheia de nuances, mas o jogo faz um ótimo trabalho de contextualização através de noticiários, conversas e textos, para explicar cada detalhe de sua sociedade futurista – que, no fundo, não é tão diferente da nossa.
O jogo explica até mesmo como a paisagem urbana de Paris mudou tanto em apenas 80 anos, perdendo a carinha de cidade do passado e aderindo ao modelo verticalizado das grande metrópoles. Se você curtia ler as toneladas de emails e terminais em Deus Ex e Fallout, vai se divertir bastante com o diário de Nilin em Remember Me.

Erroristas em pt_BR
Para um jogo tão recheado de textos e informações vindo de todos os lados, é bom saber que teremos uma versão localizada para o português. Assim não perdemos as dezenas de noticiários, conversas e textos espalhados pelo jogo, o que certamente afetaria a curtição desse mundinho distópico que é a Neo-Paris de 2084.
A tradução faz o seu trabalho direitinho na maior parte do tempo, principalmente nos textos de contextualização do diário de Nilin, mas se confunde na hora de explicar algumas mecânicas básicas do jogo. O tutorial do laboratório de combos, por exemplo, mais atrapalhou do que ajudou, e acabei morrendo algumas vezes até entender o que precisava fazer.
Vale notar que a localização da demo que joguei ainda estava bastante inacabada, então podemos esperar melhorias se a equipe de revisão fizer o seu trabalho direitinho.
Brincando de Ghost Trick

Remember Me

Manipular memórias não é muito desafiador, mas extremamente divertido.
Uma das coisas que mais chamou a nossa atenção quando vimos Remember Me pela primeira vez foram os puzzles de alteração de memórias, em que invadimos a mente de alguns personagens-chave e mudamos a percepção que eles têm da realidade, alterando drasticamente algumas de suas memórias mais marcantes.
Na demo, tive a oportunidade de curtir um desses puzzles, se é que podemos chamá-los assim. No caso, eu precisava fazer um médico matar o marido de uma agente da força policial de Neo-Paris que estava me caçando, para convencê-la de que os verdadeiros inimigos não são os Erroristas.
Após assistir a memória original, podemos girar o analógico esquerdo para voltar na cena, mais ou menos como o botão rewind de um vídeo-cassete. Em alguns momentos chave, podemos alterar detalhes da cena para que ela aconteça de maneira diferente.
É na combinação de detalhes alterados que encontramos a solução do puzzle, mas não precisamos nos preocupar muito com erros – não somos punidos por fazer besteira, e podemos tentar quantas vezes quisermos até encontrarmos a resposta correta.
É algo parecido com o que fazemos o tempo todo em Ghost Trick (Nintendo DS), – que, ironicamente também foi produzido pela Capcom. A diferença é que, enquanto a satisfação em Ghost Trick está em solucionar o puzzle, em Remember Me ficamos muito mais interessados em ver como nossa interferência afeta a pessoa que estamos manipulando.
O peso das memórias na formação da nossa individualidade, um dos grandes temas de Remember Me, fica muito claro durante essas cenas. Elas podem ser consideradas mais metáforas do que puzzles em si. E isso, em um jogo tão centrado na narrativa, acaba se tornando uma qualidade importante para nos manter envolvidos nessa assustadora perspectiva de futuro.

Remember Me

No laboratório de combos, você pode personalizar as porradas de Nilin.
No caminho de Enslaved?
Infelizmente, parece que essas cenas de manipulação de memórias não serão tão comuns quanto mereceriam ser. O foco do jogo ainda está numa mistura de Uncharted, Assassin’s Creed e Arkham Asylum. O alpinismo-pancadaria linear de sempre.
Isso não é exatamente um problema para quem gosta desse tipo de jogo, mas pode incomodar quem esperava mais de Remember Me do que escalar uma infinidade de muros e espancar os inimigos com os eternos combos de X e Y. '
O problema talvez esteja em comparar as mecânicas simples do jogo com a qualidade acima da média de sua narrativa e de sua ambientação. Remember Me tem boas ideias e as aplica de maneira graciosa, mas nada em suas mecânicas impressiona tanto quanto esse futuro bizarro e incômodo que vamos descobrindo aos poucos.
Nesse sentido, Remember Me lembra bastante Enslaved: Odyssey to the West (2010, Ninja Theory e Namco). Um jogo simples e divertido que nos conquista muito mais pelo que ele provoca do que pelas nossas ações com o controle. Isso não é exatamente ruim, mas fico aqui pensando que Enslaved deixou de ser um grande clássico da atual geração por medo de ousar em suas mecânicas.
Será esse o destino do novo jogo da Capcom? Vamos esperar o seu lançamento no Brasil, em 6 de junho, para descobrir. Mas estou certo de que, no mínimo, teremos uma boa história e um universo distópico incrível para explorar em Remember Me. Às vezes, isso é mais do que o suficiente.







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